quinta-feira, 20 de agosto de 2009

“Não complique o que é simples”

Presidente da Unilever Brasil, o holandês Kees Kruythoff diz que as culturas do executivo brasileiro e da própria multinacional que dirige geram complexidade. Sua meta é desburocratizar

Aos 40 anos, o holandês Kees Kruythoff ostenta uma sólida carreira global, toda feita na Unilever. Trabalhou na China e na África do Sul antes de assumir a presidência da empresa no Brasil, em 2008. Sua chegada, precedida de rumores sobre seus métodos inovadores de gestão, provocou preocupação. Justificada, até certo ponto. Um terço dos diretores foi substituído. Nesta entrevista, concedida em português entremeado por frases em inglês, Kruythoff conta como liderou a revisão da estratégia da Unilever Brasil – terceira maior da companhia – e como combate a burocracia e a hierarquização típicas do Brasil.

1. O senhor criou um projeto de crescimento chamado Unilever Brasil 2012. Como foi esse processo?

O primeiro passo envolveu o conselho da empresa. A gente foi para Campos do Jordão [interior de São Paulo] definir qual era a nossa ambição. É interessante porque, num conselho de dez pessoas, cada uma tinha uma lente para ver a ambição. O diretor-financeiro falava sobre retorno dos investimentos. Outras pessoas falavam em transformar a sociedade. A gente vê isso como dois rios que têm de se encontrar: planos pessoais e desempenho do negócio. O segundo passo foi fazer o mesmo com todo o time de líderes, que são 50 diretores.

2. Definidas as ambições, como foi a passagem da teoria à prática?

Com consultoria da Mckinsey, começamos a olhar para todas as partes da Unilever Brasil. Crescimento e lucro por região, marca, cliente, categorias e canais de venda. Cruzamos a ambição com a realidade atual da companhia. Da etapa final participaram 400 pessoas que se comprometeram com nossa estratégia para 2012. Foi a hora do fale agora ou cale-se para sempre. Com esse processo, cada pessoa tem o sentimento de que esta estratégia é sua.

3. A crise financeira global apanhou vocês em meio a essa revisão de estratégia. Qual foi o impacto?

A gente assinou um documento com a estratégia para 2012 no dia 5 de julho de 2008. A crise começou em setembro. O primeiro pensamento foi: talvez todo esse trabalho tenha de ser jogado no lixo. Mas depois nos demos conta de que quando o tempo está bom, é conveniente ter uma estratégia clara, mas em tempos difíceis isso se torna ainda mais importante. Reavaliamos todas as inovações programadas, ano a ano, até 2012 e chegamos à conclusão de que não era preciso mudar nada.

4. E na cultura da companhia no país, o que foi preciso mudar?

Os problemas eram visão de curto prazo, burocracia e falta de rapidez. Havia elevado grau de comprometimento com a companhia, mas desperdício de energia e frustração. A cultura também era muito hierarquizada. E uma empresa é mais rápida e mais feliz quando não tem tanta hierarquia. Acho que isso é um pouco a cultura do Brasil. Mas nós procuramos reduzir essa hierarquização.

5. Já dá para sentir a empresa menos hierarquizada e burocrática?

Já. A gente fez uma pesquisa de clima organizacional em março de 2008 e repetimos em dezembro. Usamos um método fantástico, do consultor Richard Barrett, autor do livro Liberating the Corporate Soul (“Liberando a alma corporativa”). O nível de entropia, desperdício de energia e frustração diminuíram muito.

6. Desde sua chegada, três membros do conselho e um terço dos diretores foram substituídos. Qual é o perfil das pessoas que o senhor procura?

Há dois tipos de pessoas. Algumas tiram energia e outras dão energia à empresa. Prefiro pessoas que trabalham bem em equipe e dão energia ao sistema. O segundo ponto é a diversidade, que acho incrivelmente importante. Diversidade de gênero e de estilo. Nosso time é bastante diverso. No nível de diretores, 45% são mulheres. No nosso conselho, não poderia haver pessoas mais diferentes entre si. Os valores é que são iguais. Esse time não tem membros individualistas.

7. Vocês definiram comportamentos vitais e comportamentos inaceitáveis na Unilever Brasil. Isso tem a ver com hábitos brasileiros?

Morei na China, na África do Sul, na Europa e agora aqui. Há mais semelhanças do que diferenças entre seres humanos. Uma característica do brasileiro talvez seja fazer as coisas de modo complicado. Esse também é um traço da cultura da Unilever. A gente tem um negócio muito simples: vender sabão e sopa. Mas a gente também tem pessoas muito inteligentes na empresa, que criam coisas complicadas. Eu sempre digo: não torne difíceis as coisas que são simples. O desafio é tornar simples as coisas difíceis.

8. O que é preciso para um executivo de qualquer nacionalidade fazer uma carreira global como a sua?

Primeiro, a paixão por outras culturas. Para mim, morar em outro país é excitante todos os dias. Em 1993, tive uma reunião com uma pessoa de RH da Unilever na Holanda. Ela me perguntou o que eu queria fazer no futuro. Eu disse: “Quero ficar na Holanda por seis anos, trabalhando em marketing e vendas, depois gostaria de ir para outros países. Por exemplo, China, África do Sul, Brasil e Indonésia”. Exatamente depois de seis anos fui para a África do Sul. Já vivi em três desses quatro países. Então, acho que o primeiro requisito é a abertura para o mundo. Paixão por outras culturas e por viajar.

9. Na sua passagem pela África do Sul, o senhor ficou conhecido por ter vivido numa favela de Soweto. Isso é parte do seu estilo de administrar?

Quando cheguei ao Brasil, também fui visitar casas de consumidores daqui. Fui ao Nordeste, por exemplo, porque gosto de conhecer lugares. A paixão por outras culturas tem esse lado inquisitivo.

10. Em que fase do projeto para 2012 a Unilever Brasil está?

Faz 14 meses que a gente começou. Este primeiro passo é difícil, porque entrar numa grande empresa bem-sucedida como a Unilever Brasil é sempre desafiador. Mas é simples também, porque no começo as coisas mudam rapidamente. Demos um salto grande. Mas nosso legado dependerá da implantação na operação brasileira de conceitos de sustentabilidade, como autoestima, potencial humano e responsabilidade social. Esta parte nunca vai ser rápida. Vai ser passo a passo.

Por Época NEGÓCIOS

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