quarta-feira, 24 de junho de 2009

O boleto eletrônico vem aí

A partir de outubro, cobranças em papel serão digitalizadas e poderão ser consultadas e pagas pela internet, em caixas automáticos e até via celular.

Os bancos brasileiros processaram, no ano passado, cerca de 2,4 bilhões de boletos de cobrança. Foram compras em lojas de varejo, pagamentos de mensalidades escolares, cobranças de planos de saúde, condomínios e cartões de crédito, entre outras transações - um mar de papel que, na maioria das vezes, tem como destino os arquivos mortos ou o lixo. O boleto de cobrança é um resquício de uma era bancária que está ficando cada vez mais distante com a onda de modernização que está varrendo as instituições financeiras nas últimas décadas. Mas a hora das cobranças em papel parece ter chegado ao fim. A partir de 19 de outubro, os bancos brasileiros terão um sistema integrado capaz de exibir as informações dos boletos na internet, no caixa eletrônico ou no celular - ou seja, não será mais necessário imprimir e enviar papéis pelo correio. A expectativa é que pelo menos 700 milhões de boletos impressos deixem de circular nos primeiros 12 meses. Como nota Iezio Sousa, da Federação Brasileira de Bancos (Febraban): "O papel não vai acabar de vez, mas o cliente terá chance de escolher".

Em outubro, um correntista do Bradesco, por exemplo, poderá ver na internet as cobranças emitidas pelo Itaú ou por qualquer uma das 60 instituições que integram o projeto. A adesão ao sistema é voluntária, mas os bancos que já entraram para o sistema representam 99% das cobranças. O modelo vai funcionar com a adesão do correntista. O cliente informará a um ou mais bancos a preferência pelos e-boletos e poderá visualizá-los nos meios eletrônicos disponíveis. Apesar do ambiente online, o boleto eletrônico será tratado exatamente como as cobranças em papel. O correntista poderá visualizar a cobrança, agendar o pagamento ou até mesmo recusar o boleto - e estará sujeito às mesmas consequências, como o protesto do que não for pago. O cliente do banco também poderá optar por redirecionar o boleto eletrônico para terceiros, indicando outro CPF ou CNPJ, e ainda consultar as cobranças de outras pessoas. "Isso poderá acontecer, por exemplo, quando os pais quiserem verificar as cobranças escolares emitidas em nome dos filhos", diz Joaquim Kavakama, superintendente da Câmara Interbancária de Pagamentos (CIP). Somente serão exibidos os boletos com autorização prévia. "A exibição só acontecerá depois que o cliente informar ao banco quem poderá vê-los." Por trás do boleto eletrônico, funciona um sistema central, operado na CIP e que relaciona os boletos aos correntistas.

O projeto, batizado de Débito Direto Autorizado, ou DDA, promete ser a grande novidade tecnológica dos bancos em 2009. Um de seus principais objetivos é o combate às fraudes. Atualmente, várias quadrilhas interceptam as correspondências, adulteram o código de barras e criam um boleto idêntico ao original, mas com a conta de destino diferente. Quem paga nem nota e acaba repassando dinheiro aos criminosos. Empresas com boletos fraudados chegam a perder 500 000 reais por mês, segundo dados extraoficiais. Outros impactos do projeto estão na redução dos gastos com papel e impressão. Segundo Caio Canton, superintendente executivo do Citibank, o custo de impressão e postagem de um boleto para os bancos fica entre 20 e 25 centavos - mais de 500 milhões de reais, conforme dados de 2008. "Esses custos tendem a zero com o boleto eletrônico", diz. Para a Unilever, cliente do Citi e emissora de cerca de 150 000 cobranças mensais para clientes corporativos, é uma oportunidade e tanto, já que o corte nos custos de impressão poderá render uma renegociação do contrato com o banco. A empresa de logística e fretes DHL emite cerca de 9 000 faturas todos os meses, e também vê o corte de custos de entrega como um dos pontos positivos do projeto, já que chega a pagar até 60 centavos por boleto que vai para as regiões mais distantes. "A agilidade na entrega e a certeza do recebimento é outra vantagem", diz o diretor financeiro Marcos Steffen. Os bancos acreditam que o e-boleto também melhorará o serviço prestado nas agências. Apesar do crescimento da internet, as transações nos caixas comuns cresceram 12,5% nos últimos oito anos, de 4 milhões em 2000 para 4,5 milhões em 2008. "À medida que os boletos eletrônicos se popularizam, os bancos podem usar sua rede para operações mais complexas", diz Rodrigo Caramez, do HSBC, que opera 924 agências no Brasil.

A implantação dos e-boletos vai acontecer em fases. Em outubro estará disponível online apenas parte das cobranças, como mensalidades escolares, financiamentos, planos de saúde e aquisições em lojas de varejo. Em abril de 2010, integrarão o projeto cobranças com extrato, como cartão de crédito, contas de consumo, condomínios e consórcios. Depois, será a vez dos impostos. Só poderão participar do projeto, entretanto, as cobranças registradas, em que a empresa contrata um banco para operar o envio das faturas e o controle dos pagamentos. Empresas que fazem o procedimento dentro de casa, como as gigantes do varejo Lojas Renner e Casas Bahia, ficarão de fora se não contratarem o banco para fazer a emissão eletrônica. "A conveniência do boleto digital deve atrair os clientes e com isso motivar as empresas a registrar suas cobranças", afirma Sousa, da Febraban.

Os bancos não revelam os investimentos, mas os números da CIP dão a dimensão do projeto. Foram 20 milhões de reais na contratação da Tivit, empresa de serviços tecnológicos do grupo Votorantim, para a montagem do sistema. Outros 77 milhões de reais serão pagos nos próximos oito anos, a título de operação. Além dos aportes da CIP, cada um dos bancos terá de fazer seus próprios investimentos. Estima-se que, por ano, a oportunidade para empresas de serviços de TI será de 50 milhões a 100 milhões de reais. "A demanda ficará aquecida para projetos de consultoria e manutenção dos sistemas", diz Benjamin Quadros, presidente da brasileira BRQ IT Services, que presta serviços para o HSBC e tem hoje 60% de seu faturamento - de 180 milhões de reais em 2008 - como fruto de contratos do mercado financeiro.

No ano passado, os bancos investiram 16 bilhões de reais em tecnologia e não devem poupar esforços para disseminar o e-boleto. "A próxima fronteira da competição estará nos serviços adicionais em torno do boleto eletrônico", diz Ademir Cossiello, diretor executivo do Bradesco, responsável por 50% das emissões de cobranças no país. Uma das iniciativas do Itaú Unibanco é o envio de mensagem de texto ao celular do correntista para avisar sobre a chegada de novas cobranças. O Banco do Brasil investiu na preparação prévia dos clientes para o boleto eletrônico. Desde a segunda quinzena de maio, os correntistas podem visualizar as cobranças emitidas pelo BB, o que será ampliado para as cobranças emitidas por outros bancos com a integração prevista pelo DDA, daqui a quatro meses.

O projeto, porém, tem algumas limitações. Passada a data do vencimento, os boletos eletrônicos deverão ser impressos e pagos no banco emissor. Também poderá ocorrer um "spam de boletos": cobranças indesejadas que hoje chegam pelo correio podem tornar-se um bombardeio eletrônico. Iezio Sousa, da Febraban, diz que o usuário poderá simplesmente recusá-las, assim como faz com as cobranças em papel. Está em estudo uma opção para ignorar para sempre os boletos de determinadas empresas, mas esses são apenas projetos. Mesmo com os pequenos ajustes, a expectativa é que o e-boleto decole rapidamente. Da mesma forma como os cheques saíram pouco a pouco de cena, é possível que o boleto em papel seja, em poucos anos, apenas uma lembrança.

Por: Camila Fusco - Portal Exame

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