domingo, 31 de maio de 2009

Criatividade. Xô, Crise!

Demissões em massa e cortes na produção e nos investimentos costumam ser a saída mais comum para superar momentos de turbulência. Mas acredite: é possível ganhar eficiência com soluções criativas e simples – e nem um pouco traumáticas.


Em tempos de crise, empresários precisam ser como exímios cirurgiões plásticos. Cabe a eles cortar gorduras, esticar prazos com fornecedores e reduzir custos para manter a companhia saudável. A diferença, porém, é que não há um manual a seguir. As soluções dependem de criatividade e bom senso. Diz o consultor Rodolfo Spielmann, da Bain & Company: “Fazer escolhas certas neste momento é crucial para tirar vantagem da crise e sair mais forte”. É o caso das oito empresas retratadas nesta reportagem. Todas encontraram um jeito criativo de tornar seus processos mais eficientes, seja explorando novos nichos, seja substituindo matérias-primas tarifadas em dólar. Em nenhum dos casos houve fábricas paradas ou operações no vermelho. Pelo contrário. Essas empresas encontraram uma maneira de funcionar ainda melhor. Prova de que o estica e puxa das cirurgias corporativas, embora exaustivo, vale a pena.

Kimberly-Clark


João Damato, presidente da Kimberly-Clark Brasil, comandava uma reunião com os diretores da empresa, em outubro do ano passado, quando as luzes se apagaram. Na sala escura, apesar dos murmúrios e da agitação, Damato continuou sua apresentação como se nada tivesse acontecido. A queda de energia foi um efeito proposital, programado por ele. Depois de algum tempo falando no escuro, o presidente concluiu: “Ninguém sabe para onde a crise vai. Teremos de trabalhar no escuro por um tempo. Mas é possível. Assim como esta palestra não vai terminar por falta de luz, também não vamos deixar que a crise nos impeça de crescer”.

O desconcerto com a repentina escuridão foi apenas uma fração do temor experimentado meses antes por Damato, quando percebeu que o dólar começava a subir e isso teria fortes conse­quências na empresa, por dois motivos. Primeiro: por ser uma multinacional, o balanço é transformado em dólar. Mesmo com vendas crescendo a dois dígitos, os resultados na moeda americana seriam negativos. O segundo temor estava relacionado aos insumos importados, responsáveis por até 40% do custo final dos produtos da Kimberly-Clark, dona de marcas como a das fraldas Turma da Mônica, do papel higiênico Neve e dos absorventes Intimus Gel. Os primeiros sinais de alta do dólar e queda no preço do petróleo foram interpretados por Damato como um alerta para renegociar todos os contratos. E foi o que fez. Era agosto, a economia ainda estava (ou parecia estar) sob controle e por isso ninguém levou muito a sério quando ele bateu na porta de fornecedores da Ásia, Europa e dos Estados Unidos dizendo que estava em situação de perigo. Muitos não quiseram negociar no primeiro momento. Nem no segundo. Ou no terceiro. Foram necessárias até cinco reuniões, centenas de e-mails e muitas idas e vindas para fazê-los repensar os contratos. Mas Damato conseguiu. “Não negociei usando psicologia, mas números”, diz.“Tinha de mostrar que aquele cenário era impensável. Fizemos os parceiros compreenderem que manter os preços no mesmo patamar era inviável, porque teríamos de repassá-los ao consumidor.”

Outra estratégia adotada por Damato para lidar com a crise dentro da Kimberly-Clark foi falar abertamente e sensibilizar os funcionários para cortar custos. E-mails seus chegam às caixas postais, informando sobre a importância de cada um na redução das despesas. Damato diminuiu suas viagens de oito para uma a cada dois meses e hoje não pode ver uma sala vazia com as luzes acesas. O resultado foi um corte de 5% nos custos. Apesar de boa parte da produção estar ancorada no dólar, que teve alta de 35% desde agosto, a empresa não aumentou o preço dos produtos. As metas de crescimento para este ano continuam as mesmas. “A crise é uma dificuldade momentânea. Perdi muitas noites de sono buscando soluções, mas agora me sinto recompensado”, afirma. Certamente Damato e seus 5 mil colaboradores não estão mais no escuro. Pelo menos enquanto houver alguém na sala.

Banco Cruzeiro do Sul
Quando o Bear Sterns quebrou, em maio de 2008, Luis Octavio Indio da Costa, presidente do Banco Cruzeiro do Sul, especializado em crédito consignado e empréstimos de curto prazo para empresas, entendeu que a crise era grave. Comandou, então, uma reforma. Dos 700 funcionários, 130 foram cortados e a carteira de créditos foi reduzida à metade. Os analistas suspeitaram de problemas, mas entenderam que eram medidas preventivas. “Foi duro. Mas tive a felicidade de acreditar na crise antes dela se revelar por inteiro”, diz Costa.



Visa
Empresa global, publicidade idem. Desde a estreia na Bolsa de Valores de Nova York, em março de 2008, a Visa tem se posicionado como uma só companhia – e não mais uma série de divisões regionais. Nesse espírito, e diante do agravamento da crise, confiou à agência TBWA a criação de uma campanha publicitária única para o mundo todo. O modelo favorece a racionalização das verbas de marketing. “Há um bom ganho de eficiência, especialmente na negociação de mídia”, afirma Luís Cássio de Oliveira, diretor-executivo da Visa no Brasil. Além da tradução para cada país, os filmes sofreram pequenas adaptações locais. A logomarca Go, laranja no resto do mundo, foi pintada de azul no Brasil, para evitar a associação com a companhia aérea Gol. “Também tivemos uma grande sorte.

No dia definido pela matriz para o lançamento da campanha, havia um clássico de futebol em que justo o time de Ronaldo estava sem patrocinador”, diz Oliveira. A Visa patrocinou esse jogo do Corinthians, no início de março. O mote dos filmes publicitários (“Mais pessoas vão com Visa”) também está relacionado ao momento econômico atual – ainda que não o mencione diretamente. O diretor-geral da Visa no Brasil, Rubén Osta, afirma que o objetivo não é estimular as pessoas a gastarem mais e, sim, mostrar a elas que os cartões de crédito podem ser uma ferramenta de planejamento financeiro. “Temos como objetivo fazer com que as pessoas migrem os pagamentos realizados hoje com dinheiro para os meios eletrônicos, que são mais práticos, rápidos e seguros.”



Duloren
Quando se deu conta de que o custo de produção de suas mercadorias aumentaria pelo menos 20% em função da alta do dólar, Roni Argalji, presidente da fabricante de lingeries Duloren, tomou uma atitude drástica: saiu para pescar. Não seria essa a primeira ação que a maioria dos empresários tomaria. Ele sim. “Dormir com a ideia, distrair a cabeça e decidir depois é uma estratégia que dá certo para mim. Quando você está na operação do negócio num momento de crise, não pode ser precipitado. Qual o problema de decidir no dia seguinte?”, diz Argalji, 55 anos, cujo hobby, a pescaria, pratica desde a adolescência.


Pois a cabeça fria mostrou que as respostas não seriam dadas por ele, mas por seus colaboradores e clientes. “Em um cenário de crise, você começa a prestar mais atenção nos detalhes, para saber o que está em excesso. E ninguém entende melhor de detalhes do que as pessoas que estão na linha de produção e na frente do cliente. É preciso ouvi-las”, diz. Não é nada diferente do que Argalji já costumava fazer. Uma vez por mês, ele se junta a um grupo de funcionárias para discutir o que está dando certo e o que pode melhorar na fábrica e faz visitas periódicas às lojas revendedoras. Depois da crise, ele passou a visitá-las com mais frequência. E foi numa dessas conversas que veio uma ideia para o corte de custos. Na frente de um balcão, Argalji percebeu que as lingeries estavam expostas dentro de um cesto – e não em caixas individuais, como elas eram enviadas aos lojistas. Curioso para saber por que isso ocorria, ouviu como resposta: “As caixas ocupam muito espaço. Nem as clientes as querem”. Só que elas custavam R$ 1,2 milhão à empresa ao longo de um ano. As caixinhas individuais foram, então, substituídas por embalagens maiores, com 12 unidades cada. Até dezembro, a empresa gastará menos de um décimo do que teria dispendido em uma fase sem turbulência.

Ao reunir o grupo de funcionárias com quem tem discussões mensais, Argalji foi lembrado de que uma parte da fábrica estava com máquinas paradas. Há alguns anos, com a queda do dólar, a importação de produtos, como rendas e bordados, era mais vantajosa financeiramente. Essas máquinas voltaram à ativa em novembro, quando foram contratadas 50 pessoas para produzir localmente aquilo que vinha de fora e os US$ 2 milhões gastos com importação se transformarão, neste ano, em apenas US$ 60 mil. De sua linha de produção deixarão de sair modelos sofisticados de lingeries e serão feitas coleções mais básicas e menos incrementadas. “As mulheres não vão deixar de comprar suas roupas de rotina, não importa quão grave seja a crise”, diz Argalji. Como resultado das mudanças, o preço das lingeries continua o mesmo e a previsão de produzir 11 milhões de peças neste ano também se manteve. O mar, pelo visto, seguirá bom, para Argalji continuar sua pescaria.


Por Camila Hessel e Marcos Todeschini (Época Negócios)


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