Maior autoridade em formação de lideranças e autor de livro sobre decisões corporativas, professor da Ross School diz que vencedores são iguais em qualquer cultura e, na China ou no Brasil, o papel do líder é fazer juízos
Qual a diferença entre fazer bons juízos empresariais em tempos de crescimento e em tempos de crise?
Noel Tichy - A estrutura do livro Decisão! diz basicamente que há três julgamentos que um bom líder tem de fazer: sobre pessoas, estratégias e crises. Se você não fizer os julgamentos certos sobre pessoas ou sobre a estratégia, quando chegar uma crise você terá um grande problema. Eu estava trabalhando com Jacques Nasser, na Ford, quando estourou a crise da Firestone e houve um recall de carros que custou bilhões de dólares. A crise absorveu todo o tempo e a atenção dele, e, enquanto isso, o cara que chefia a Europa, o cara que chefia os EUA, o conselheiro jurídico e um outro cara orquestraram um golpe de estado dentro da Ford. Eu argumento no livro - e falei sobre isso com Nasser depois - que se ele tivesse lidado com a falta de confiança e alinhamento no topo da equipe um ano antes, ele ainda seria o CEO. Se você entra numa crise como Stan O'Neill, da Merrill Lynch [forçado a renunciar da presidência em outubro de 2007], pode ter uma situação ainda pior do que a do Nasser. Ele tinha pessoas debaixo dele que o odiavam, e o conselho de administração que o colocara no cargo era autocrático, formado por caras que não ouvem. Nessas condições você não vai ter sucesso, vai ser demitido. O Citigroup se livrou de Chuck Prince [deposto em novembro de 2007]. Ele na verdade é um cara legal, mas foi uma escolha errada e perdeu o emprego. Vamos ver muito mais disso. Como Rick Wagoner [demitido em março da presidência da GM por exigência do governo dos EUA]. Depois de oito anos, e com a empresa ainda em crise, é tempo de cair fora.
Época Negócios - As crises que o senhor explora no livro são específicas de empresas. Agora, temos uma crise que afeta basicamente todo mundo. É uma situação diferente, certo?
Tichy - Não, os mesmos princípios se aplicam. Até mais, porque todo mundo é mais pressionado. Mas eu ainda tenho o mesmo trabalho como líder. Eu tenho que ter uma equipe alinhada em torno de mim e uma estratégia que me conduza através de um ambiente de crise que pode ou não se traduzir em uma crise dentro da organização. Estou trabalhando com Ricardo Salinas no México. Ele é o dono do Grupo Salinas, que emprega 40 mil pessoas nas lojas Elektra, no Banco Azteca e no negócio de telefonia celular. Nós estamos refazendo o modelo de negócios, no meio desta crise, para reposicionar o grupo. Ricardo conta uma história muito interessante nos workshops que eu tenho feito com ele quase toda semana. Dois caras que estão no meio do mato, tiram suas roupas e vão nadar num lago. Um urso pardo vem na direção deles, e os dois pulam fora d'água, nus, e começam a correr. Um deles para para vestir seu tênis, e o outro diz: "Que diabos você está fazendo? O urso corre mais do que a gente!" Ao que ele responde: "Eu só preciso correr mais do que você..." O Ricardo diz: "Em uma crise, você só precisa correr mais que a concorrência. Os ursos estão vindo."
EN - O senhor consegue identificar quem está tomando boas decisões no meio desta crise?
Tichy - Um monte de gente, como A. G. Lafley, da Procter & Gamble. A P&G não está em crise. Eles estão indo muito bem. Ele tem uma estratégia muito sólida, e a crise financeira não está castigando muito a indústria de bens de consumo. Então, ele não teve que fazer grandes ajustes, apenas continuar executando sua estratégia. Você tem que olhar companhia por companhia, porque algumas claramente estão sendo muito afetadas, como a GE, por causa de sua pesada exposição ao setor de serviços financeiros. Eles tomaram uma surra e Jeff Immelt está pagando um preço enorme tanto no desempenho das ações como por ter perdido sua classificação de risco AAA semanas atrás. Eu acredito que ele vai conseguir atravessar a tempestade e sair muito mais forte do outro lado. Mas ele foi atingido porque 50% dos lucros deles vinham de serviços financeiros. Já Lafley está no setor de bens de consumo: sabão, detergente, papel higiênico. Eles não vão ser tão afetados.
EN - Ao apostar tanto no setor financeiro, a GE fez um juízo de alto risco. Foi uma boa decisão?
Tichy - Em retrospecto, não. Por outro lado, eu realmente acredito que, se você olhar para a carteira de produtos da GE - equipamentos médicos, geradores, utensílios para iluminação, etc. - vai ver que eles têm um incrível portfólio industrial que está bem posicionado para desempenhar bem no mercado global. Pode-se argumentar que talvez Jeff devesse ter se movido mais rapidamente e mudado seu portfólio. Mas o preço das ações da GE está sendo superpenalizado por causa do lado financeiro da companhia. Jeff tem de navegar através desta crise. Até agora, a maior crítica é porque ele não antecipou [a mudança de cenário]. Mas, depois que entrou na crise, eu acho que ele está se virando muito bem.
EN - Quem foi o melhor tomador de decisões que o senhor conheceu?
Tichy - Jack Welch. Eu dirigi [o centro de treinamento de executivos da GE em] Crotonville e escrevi "Control Your Destiny or Someone Else Will" [best seller com os princípios usados por Welch para revolucionar a GE]. Ele foi chamado de Executivo do Século e eu acho que merece. Se você voltar às transformações que ele fez na GE... De US$ 11 bilhões em valor de mercado para mais de US$ 400 bilhões em 20 anos, com apenas dois trimestres sem crescimento! No mesmo período em que seu maior concorrente, a Westinghouse, morreu. E, mais importante, ele construiu um canal de liderança de onde saíram líderes que comandam mais grandes empresas hoje do que os formados por qualquer outra companhia. David Cody, da Honeywell; Jim McNerney, da Boeing; Robert Nardelli, ex-Home Depot hoje na Chrysler; o cara que comanda a Siemens na Europa é da GE, o cara que comanda a Pfizer, Jeff Kindler, começou na GE, e por aí vai. Era uma fábrica de desenvolver líderes.
EN - Se Jack Welch foi o Executivo do Século 20...
Tichy - Quem seria o do Século 21? Bom, A.G. Lafley merece ficar bem no alto da lista. Ele assumiu uma companhia em crise. Durk Jager [seu antecessor] tinha sido demitido depois de 17 meses com as ações em baixa. E então ele sistematicamente conduziu uma transformação muito bem sucedida da P&G. Então, eu o colocaria bem lá em cima. Globalmente, o outro cara pelo qual tenho um respeito tremendo é o Ratan Tata, na Índia. Ele tem muitas companhias em seu portfolio, fez boas aquisições, como as da Land Rover e da Jaguar, e agora veio com o carro Nano.
EN - O título original de seu livro é "Juízo", no sentido de discernimento. É um conceito mais amplo do que o de decisão.
Tichy - Há toda uma literatura sobre como você toma boas decisões. A maioria dela é bem prescritiva. Warren Bennis e eu somos professores há muito tempo, estamos familiarizados com essa literatura e ficávamos longe [do tema] da tomada de decisões porque ele tende a ser muito limitado. No fim das contas, o que você realmente quer é bom juízo. O que nós temos lecionado em MBAs nos últimos 50 anos é irrelevante para uma porção de grandes juízos. Você senta com AG Lafley e pergunta: "Como você decidiu fazer a aquisição de US$ 57 bilhões da Gillette? É só mastigar os números e seguir o que você aprender na Harvard Business School?". E ele diz: "Não. No fim das contas, eu tenho que tomar uma decisão baseada num juízo." Sim, você pode usar ferramentas quantitativas para ajudá-lo, mas no fim das contas precisa tomar uma decisão baseada num juízo. Porque quaisquer dados que tiver vão sempre ser imperfeitos.
EN - O senhor tem vindo bastante ao Brasil nos últimos anos. Como avalia as companhias brasileiras em termos de liderança?
Tichy - É a mesma coisa em todo lugar. Fundamentalmente, a boa liderança não se altera caso estejamos em Wall Street ou na Cidade do México. O que você quer são líderes em todos os níveis capazes de fazer bons juízos. Se estou dirigindo uma loja para Ricardo Salinas, eu quero que o gerente daquela loja faça bons juízos. Adivinhe do que se trata? Das pessoas que eu contrato e que eu demito. Da estratégia. Qual é a estratégia para a minha lojinha? E [da gestão de] crises. Eu não ligo se você está no Brasil, na Argentina, no México, na Índia ou na China. O papel do líder é fazer bons juízos e desenvolver a geração de pessoas debaixo dele para fazer bons juízos. Nós precisamos dedicar mais tempo e atenção ao planejamento sucessório visto pelas lentes do discernimento. Se eu quero olhar para você e dizer quão bem você se deu no ano passado, eu preciso olhar para os juízos que você fez em termos de pessoas. Quem você contratou, quem você demitiu? Qual era a sua estratégia? E, aliás, como você lidou com aquela crise que nós tivemos em outubro? Você está aprendendo? Porque ninguém faz juízos perfeitos. Quanto mais você viaja pelo mundo, melhor percebe que fundamentos são fundamentos. Os caras que se dão bem nos Jogos Olímpicos se parecem mais uns com os outros do que com os outros chineses, os outros americanos ou os outros japoneses. Então eu quero olhar os vencedores. E os vencedores em qualquer cultura fundamentalmente são iguais.
EN - As teorias econômicas estão mudando muito devido à crise. No campo da liderança, quão profundo vai ser o impacto?
Tichy - Bom, eu não vou mudar minha teoria. Você é pago, como um líder, para fazer bons juízos. Ter a equipe certa, a estratégia certa e enfrentar as crises. Eu também vou te pagar para desenvolver um canal para a próxima geração de líderes, para que a instituição seja capaz de melhorar seu desempenho no futuro. Então, eu argumentaria que esses fundamentos são ainda mais importantes nesta crise. Nós vamos demitir os CEOs que não fizeram bons juízos. Não vamos tolerar isso.
Por: Alexandre Teixeira (Época Negócios)
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