Isso é bom? Sim. A força da moeda reflete o novo peso do país no cenário global. O problema é que ficam mais expostas antigas ineficiências da economia brasileira
O aumento da volatilidade e a desvalorização da moeda sempre foram o comportamento típico do câmbio no Brasil quando ocorriam tumultos na economia. Foi o que se viu no segundo semestre do ano passado, quando o real voltou a oscilar bruscamente e chegou a perder 40% do valor frente ao dólar. Nos últimos meses, a economia mundial permaneceu instável. Mas o real inverteu a tendência. Tornou-se a moeda número 1 em valorização entre as mais relevantes do mundo - até 25 de maio, o real registrava alta de 14%, cotado a 2,03 por dólar. Com isso, entrou para uma espécie de pelotão de elite composto das moedas vencedoras na crise, ao lado do rand sul-africano e do dólar australiano. Na ponta oposta, rublo, iene e franco suíço acumulam queda. "Se tudo continuar como está, o Brasil não será mais um país de moeda fraca e volátil", diz o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles. "É um país hoje sério. Aquela história do De Gaulle não se aplica mais a nós."
O movimento de valorização do real, contudo, reativou um debate: contar com moeda mais forte é vantagem ou desvantagem para a economia brasileira? A corrente do contra é puxada por exportadores e economistas que apontam a perda de competitividade externa. Para os que defendem o fortalecimento do real como algo positivo, o mais importante é que ele representa uma chancela de que o Brasil está no clube dos países que enfrentam bem a crise e sairão dela antes. Ambos os lados têm suas razões, mas, para chegar a uma conclusão sobre o efeito total na economia, é necessário examinar com mais cuidado os argumentos.
Em primeiro lugar, é preciso considerar que há um fenômeno geral: más notícias que continuam a rondar os Estados Unidos depreciam o dólar. O recente alerta de que a dívida pública do Reino Unido pode ter sua classificação de risco rebaixada foi lido pelo mercado como um recado sobre o que pode acontecer com a própria nota dos Estados Unidos. Em contraste, o Brasil goza de uma projeção inédita em circunstâncias de crise. "Investidores internacionais veem o país numa posição relativamente confortável", afirma Paulo Mateus, economista do banco Barclays. A agência de avaliação de risco Moodys, que ainda não incluiu o Brasil no grupo de países seguros para investimento, deu sinal de que agora a promoção pode sair. A recuperação do preço internacional de commodities como soja e açúcar é outro fator que tem ajudado o real. "O Brasil é grande exportador de produtos básicos e, quando o preço deles aumenta, o real também ganha valor", diz Gustavo Loyola, ex-presidente do Banco Central. Com a reação das commodities, uma leva de investidores estrangeiros foi atraída para a Bovespa e estimulou a alta das ações. Outros vêm em busca de ganho com a taxa de juro - que, apesar de estar em queda, continua atraente. Essa entrada maciça de dólares vitamina ainda mais a moeda brasileira.
Entre as consequências positivas do real vigoroso está a possibilidade de um alívio fiscal. O fortalecimento da moeda diminuiu a dívida pública federal em 14 bilhões de reais. As empresas contabilizam efeito semelhante. Cálculos da consultoria Economática mostram que, no atual patamar do câmbio, o endividamento de 71 grandes companhias brasileiras de capital aberto deverá diminuir em 22 bilhões de reais. "Isso significa que os balanços do segundo trimestre apresentarão lucros maiores", diz Fernando Excel, sócio da Economática. Um real mais valorizado também reaquece um mercado que ficou fechado no auge da crise: o de captações externas. Petrobras, Odebrecht e Telemar já conseguiram levantar capital. A estimativa do mercado é que pelo menos 4 bilhões de dólares sejam captados por companhias brasileiras nos próximos meses. "Pela primeira vez, o Brasil é olhado de uma forma diferenciada nesse mercado", afirma Jean Pierre Dupui, diretor de operações estruturadas do banco Santander. Um exemplo disso ocorreu na emissão de bônus de dez anos da Petrobras, em fevereiro. A estatal obteve taxas melhores que a Pemex, petrolífera mexicana, que havia realizado uma operação parecida dias antes. Detalhe: o risco-país do México é menor que o do Brasil, fator que costumava explicar as captações a custo menor dos mexicanos.
No lado oposto, é claro que a valorização do real implica diminuição da competitividade. Os exportadores de produtos manufaturados, num cenário de demanda global fraca, são as principais vítimas. A AP Müller, fabricante gaúcha de couros, que exporta quase toda a produção para Ásia, Europa e Estados Unidos, registrou queda de 40% nas vendas desde o começo da crise. Até o início do ano, parte do tombo foi compensada pela alta na cotação do dólar. Agora, com o fortalecimento da moeda brasileira, a AP Müller encontra-se no pior dos mundos. "Um real mais fraco encobria custos que temos no Brasil", diz Cezar Müller, dono da empresa. "Agora, voltamos a ficar sem competitividade em muitos mercados." Eis aí, no exemplo da AP Müller, um efeito da valorização do real que nem sempre é bem compreendido: ela expõe ineficiências, entre as quais alta carga tributária, excesso de burocracia e precariedades na infraestrutura. O câmbio - que flutua conforme o comportamento de diversos fatores da economia - não é, porém, a solução para todos esses problemas.
Por Fabiane Stefano - Portal Exame
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