Combinação de dólar desvalorizado, queda do preço das commodities e retração da economia mundial inquieta setor exportador
No final do ano passado, quando o pânico com a crise atingiu seu auge, o dólar chegou a ser negociado acima de 2,50 reais, gerou o temor de quebra de empresas que fizeram apostas infelizes em derivativos de câmbio e impingiu fortes perdas a companhias endividadas em moeda americana. O único setor que viu com bons olhos a situação foi o exportador. "Quero que o câmbio volte a 2,80 reais", declarou em novembro Joesley Mendonça Batista, presidente da JBS-Friboi, a maior produtora mundial de carne bovina.
Para desgosto de Joesley e da maior parte dos exportadores, o dólar caminhou na direção contrária à esperada - e numa velocidade que surpreendeu até o analista mais otimista com a economia brasileira. Especialistas ouvidos pelo Portal EXAME atribuem a queda do dólar para a casa dos 2 reais à taxa de juros de dois dígitos da economia brasileira. Desde o início da crise, a Selic caiu de 13,75% para 10,25% ao ano - enquanto quase todo o mundo desenvolvido paga uma remuneração próxima a zero para investimentos em títulos públicos.
Bastou a economia mundial dar leves sinais de recuperação para que o país virasse palco de uma enxurrada de dólares em busca de aplicações atrativas. A menor percepção de risco beneficiou tanto a Bovespa - que já atraiu mais de 7 bilhões de reais em investimentos estrangeiros neste ano - quanto o mercado de renda fixa. Segundo o BC, apenas nos dez primeiros dias úteis de maio, o fluxo cambial para o Brasil ficou positivo em 2 bilhões de dólares. Com tamanha entrada de recursos, fica difícil imaginar que o real, que já se valorizou 7% neste mês, possa engrenar uma tendência de baixa.
O economista-chefe do Banco Fator, José Francisco Lima Gonçalves, afirma que a percepção de que o Brasil vai se recuperar antes da crise contribui para a atração desse enorme fluxo de recursos. "Países como o México, que poderiam atrair parte desse capital, estão numa situação bem pior e não oferecem taxas tão atrativas quanto as brasileiras." Ele também diz que o movimento de valorização do dólar nas últimas semanas é mundial e, em parte, foi incentivado pelo próprio Federal Reserve (o banco central dos EUA). Para aumentar a liquidez dos bancos e ajudar a destravar o crédito, "o Fed está inundando o mercado de dólares por meio da compra de títulos públicos e privados, num montante que chega a aproximadamente 700 bilhões de dólares", afirma. "O Brasil apresenta as condições mais favoráveis para atrair esse capital."
Drama para os exportadores
Se por um lado o ingresso de dólares levou euforia à Bovespa nas últimas semanas, os exportadores já demonstram enorme inquietação, apesar de o dólar estar ainda muito abaixo do patamar de 1,60 real alcançado no ano passado. "O que vai ser muito mais dramático agora é que vamos ter sobrevalorização cambial com preços internacionais baixos", diz Roberto Giannetti da Fonseca, diretor do Departamento de Comércio Exterior da Fiesp. Segundo ele, produtos como o aço custavam 3.000 dólares por tonelada no ano passado e agora valem 1.500 dólares. O alumínio caiu de 3.500 dólares a tonelada para 1.700 dólares e a carne, de 4.000 dólares para 2.600 dólares. "Com essa taxa de câmbio e esses preços, será insuportável para o exportador brasileiro", diz. "Por mais competitivo que ele seja, o empresário terá de decidir entre vender com prejuízo ou parar de exportar."
Para o vice-presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), José Augusto de Castro, os exportadores de produtos manufaturados serão os mais prejudicados. "A cotação das commodities caiu muito, mas ainda está próxima dos patamares históricos." Já setores que dependem de mão-de-obra intensiva como os de calçados e confecções ou empresas que dependem do câmbio para ser competitivas como o automobilístico e o de utensílios domésticos serão muito afetados. "No mês passado, os embarques de commodities superaram os de manufaturados, situação que não era registrada desde 1978", afirmou.
Qual é a solução?
A ajuda ao setor exportador passa por uma solução mais complexa do que um simples e drástico corte na taxa de juros. O analista de câmbio do Banco Brascan, Gustavo Santos da Costa, lembra que o atual patamar dos juros já é baixo considerando o histórico brasileiro. Com a atual taxa de inflação e do risco-Brasil, ele acredita que a Selic poderia cair para até 9% ao ano. "Um corte mais agressivo na taxa de juros poderia ser prejudicial, provocando uma fuga de capitais ou acentuando o desequilíbrio já verificado entre a remuneração dos fundos e da caderneta de poupança", afirma. Outros economistas são um pouco menos céticos, mas é muito difícil encontrar alguém no mercado que acredite que os juros caiam abaixo de 8%.
O chefe do Departamento Econômico da Confederação Nacional do Comércio (CNC) e ex-diretor do BC, Carlos Thadeu de Freitas, diz que outra possibilidade para os exportadores manterem as margens de lucro está na utilização de operações de "hedge". As perdas bilionárias da Sadia e da Aracruz no ano passado, entretanto, são um alerta para que os derivativos sejam usados com moderação pelas empresas. "Elas devem utilizar o 'hedge' como forma de proteger o seu resultado operacional, não como mecanismo de especulação", diz Costa, do Banco Brascan.
Ajuda do governo
Os empresários também esperam que o governo atue de duas formas para reduzir o sofrimento dos exportadores:
1) O Banco Central deve continuar - e até intensificar - a compra de dólares para evitar a rápida desvalorização do dólar. O BC já vem enxugando a liquidez do mercado de câmbio nos últimos dias, mas analistas acreditam que essa medida é apenas paliativa;
2) O governo deve estudar formas de desonerar o setor exportador para evitar a compressão exagerada das margens de lucro.
O Portal EXAME apurou que os setores de carne bovina, siderúrgico e eletrointesivos (aqueles que utilizam muita energia) estão em negociações avançadas para obter um alívio tributário do governo. Segundo os balanços já divulgados ao mercado, frigoríficos como a Sadia, a Perdigão e o JBS-Friboi trabalharam com margens próximas a zero e registraram prejuízo líquido no primeiro trimestre devido à forte queda nas exportações. Já grandes siderúrgicas como Usiminas, Gerdau e CSN foram obrigadas a reduzir os preços cobrados dos clientes para driblar a concorrência de empresas estrangeiras, que estão com um excedente de produção de aço devido à crise. O setor negocia com o governo a elevação da TEC (Tarifa Externa Comum, do Mercosul) para a importação de aço como forma de evitar novos prejuízos nos próximos trimestres.
O governo, no entanto, não tem mais muito espaço para ajudar o setor privado. Após seguidas quedas na arrecadação de tributos, o governo reduziu nesta semana a previsão da receita orçamentária para este ano em 60 bilhões de reais. Medidas de desoneração fiscal poderiam aumentar esse rombo no futuro. Ao exportador que não tiver seu pleito atendido, restará torcer para que o fluxo de recursos estrangeiros para os mercados emergentes não seja tão intenso quanto o das últimas semanas.
Por: Gisele Cabrini (Portal Exame)
Faça seu comentário!
Nenhum comentário:
Postar um comentário