Novos estudos apontam os limites e os riscos para as empresas da busca pelo profissional multitarefa
Por Flávio de Carvalho Serpa
Em muitos escritórios modernos, a suposta capacidade de realizar várias tarefas simultâneas é vista como uma habilidade fundamental, um sinal de eficiência dos funcionários. Auxiliados – e pressionados – por múltiplos canais de comunicação, os profissionais devem ser capazes de responder a multidemandas o tempo todo. Mas, há algum tempo, neurocientistas e psicólogos debatem se realmente existem pessoas capazes de realizar várias tarefas ao mesmo tempo de forma eficiente. Mais: está aumentando também a discussão sobre as consequências dos ambientes profissionais em que a realização de muitas tarefas simultâneas é parte da rotina.
Em um trabalho recente, um trio de pesquisadores da Universidade de Stanford resolveu verificar se pessoas acostumadas com multitarefas são realmente mais eficientes. Os testes envolveram 100 alunos. Metade do grupo foi recrutada entre estudantes notoriamente acostumados a realizar tarefas simultâneas, enquanto a outra metade era de pessoas habituadas a realizar uma coisa por vez. “Procuramos no que [os primeiros] eram melhores, e não achamos nada”, diz Eyal Ophir, coordenador do estudo. Ao contrário, conta ele. O que os testes revelaram: os do primeiro grupo não eram melhores para filtrar informações irrelevantes ou organizar suas memórias e, na verdade, tinham mais dificuldade de se concentrar quando tinham de pular de uma atividade para outra.
O resultado do trabalho se soma ao de vários outros que apontam para problemas com a ideia das multitarefas. Um estudo da Universidade da Califórnia, por exemplo, afirma que interrupções dos trabalhadores podem custar até 25 minutos de produtividade – o tempo médio que a pessoa leva para estabelecer o mesmo nível de atenção anterior à distração. Segundo uma estimativa feita pela Basex, consultoria de pesquisa, o ambiente multitarefas estaria gerando perdas de produtividade da ordem de US$ 650 bilhões por ano apenas nos Estados Unidos. Tais perdas estariam vinculadas ao agravamento de antigos problemas, como a dispersão, a hiperatividade e a procrastinação.
Uma pessoa pode levar até 25 minutos para retomar o foco
em uma tarefa depois de se distrair
Embora seja difícil estabelecer uma relação inequívoca, para alguns especialistas, ao aumentar os problemas de déficit de atenção os ambientes multitarefas também estariam impulsionando o uso de medicamentos para combater essa condição. Prescrito normalmente para crianças diagnosticadas com o Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH), o uso do remédio Ritalina seria um sinal de que cada vez mais adultos estariam sofrendo com o problema. “Somente entre 2002 e 2006 a produção brasileira de metilfenidato [Ritalina] cresceu 465%”, afirma a doutoranda Cláudia Itaborahy, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, em levantamento concluído neste ano. De acordo com o mais recente relatório da ONU sobre produção e consumo desse tipo de medicamento, sua produção mundial passou de 2,8 toneladas em 1990 para quase 38 toneladas em 2006. Isto se deve, segundo o relatório, não somente à vinculação com o diagnóstico do déficit de atenção e hiperatividade entre crianças mas, principalmente, ao consumo por aqueles que sentem dificuldades de se concentrar no trabalho, profissionais adultos vítimas da dispersão e da procrastinação.
No meio acadêmico, o uso de Ritalina tornou-se tão amplo e aberto em alguns países que pesquisadores de importantes universidades americanas e britânicas assinaram, no fim do ano passado, uma espécie de manifesto pedindo sua eventual liberação. “Propomos ações que vão ajudar a sociedade a aceitar os benefícios do aprimoramento [do desempenho mental], dadas condições apropriadas de pesquisa e regulamentação”, diz o grupo de cientistas. Entre os argumentos usados para sustentar o pedido está a indicação de que a Ritalina não teria efeitos colaterais importantes conhecidos e já é amplamente usada por crianças.
Mas a ideia da liberação do medicamento tem gerado uma grande polêmica, especialmente quando se leva em consideração que a transformação do ambiente de trabalho seria um dos motivos por trás do aumento da falta de atenção. Se ficar provado que a pressão das multitarefas está provocando a perda de atenção e produtividade, será que tomar medicamentos seria a melhor maneira de combater o problema? Se as drogas forem liberadas, todos teremos de usá-las para não perder competitividade? Do ponto de vista das empresas, há pouco incentivo para controlar o uso da Ritalina, afinal ela tenderia apenas a melhorar o desempenho dos trabalhadores. No entanto, não dar atenção à questão das multitarefas pode custar mais caro do que se imagina.
TDAH – Distúrbio de atenção identificado pela primeira vez nos anos 60. Entre os principais sintomas estão, além da falta de concentração, a impulsividade e a inquietação. Segundo a OMS, ele afeta atualmente pelo menos 3 milhões de brasileiros
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