sábado, 16 de julho de 2011

Pacificação abre caminho para formalização nas favelas do Rio

A cidade do Rio de Janeiro tem 152 complexos de favelas e 467 favelas isoladas, de acordo com o Instituto Pereira Passos (IPP), que produz estatísticas sobre o município. De acordo com o Censo Favelas Empresarial, da Secretaria estadual da Casa Civil, a maioria dos negócios existentes nessas áreas opera na informalidade. Na Rocinha, em Manguinhos e no Alemão, mais de 90% estão irregulares, segundo o levantamento. Com a pacificação das favelas, no entanto, esse cenário tem começado a mudar.

“A UPP (Unidade de Polícia Pacificadora) é uma novidade muito bacana, e traz a necessidade da formalização das atividades empresariais”, diz Carla Teixeira, coordenadora do Programa de Desenvolvimento do Empreendedorismo em Comunidades Pacificadas do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas no Rio de Janeiro (Sebrae-RJ).

Para contar as histórias dos empreendedores nas comunidades pacificadas do Rio de Janeiro, o G1 publica uma série de reportagens sobre formalização nas favelas. A primeira delas, feita no morro do Chapéu Mangueira, mostra o empreendedor cujo bar foi premiado e a professora que teve a renda elevado com a formalização. Reportagens seguintes vão contar, entre outras histórias, as dos ex-presidiários que se tornaram guia de turismo e dono de salão de cabeleireiro, do açougueiro que montou uma pet shop, e de um salão de barbeiros onde ninguém é patrão.


Dados da Secretaria municipal de Ordem Pública mostram que na Tijuca, na Zona Norte, onde ficam as UPPs do Borel, do Salgueiro, do Turano e da Formiga, foram formalizadas 777 empresas desde janeiro de 2009 – um aumento de 568% em relação aos 137 alvarás concedidos até então.


Em Jacarepaguá, na Zona Oeste, onde fica a UPP da Cidade de Deus, foram 1.986 formalizações desde janeiro de 2009. Até dezembro de 2008, 509 empresas haviam sido legalizadas na região. Também na Zona Oeste, em Campo Grande e em Santa Cruz, onde nenhuma das favelas da região têm UPP, foram registradas 34 e 30 formalizações nas comunidades locais, respectivamente, desde janeiro de 2009.


Do total de favelas no Rio, 28 comunidades foram ocupadas pela polícia, a partir de dezembro de 2008, e são atendidas por 17 UPPs. De acordo com o IPP, que é responsável pela produção e difusão de informações estatísticas, cartográficas e georreferenciadas da capital fluminense, quase 1,1 milhão de pessoas vivem nessas comunidades – cerca de 18% da população carioca, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).


Falta de dados – e de poder público
A principal dificuldade para conhecer o universo do empreendedorismo nas favelas cariocas é a falta de dados, já que, durante muitas décadas, o poder público não esteve presente nas comunidades, na imensa maioria dominadas pelo poder paralelo e bélico do tráfico de drogas. “Não existe uma pesquisa sobre negócios em favelas”, afirma Carla Teixeira. “Todo mundo gostaria de ter essa pesquisa, mas a gente não tem, e até se ressente disso”, complementa.


“Usamos os números do Censo Empresarial pela falta de dados específicos sobre os negócios em favelas”, aponta Carla.


Na Rocinha, no Alemão e em Manguinhos, de acordo com o Censo, mais de 90% dos negócios são informais. Nas três comunidades, mais de 50% das justificativas para não se legalizar foram: “não sente necessidade de formalizar” e “falta de capital”. Apesar do baixo índice de formalização, o Censo Empresarial mostra que, em média, 21% dos empreendedores têm o “desejo” de se legalizar. Entretanto, pouco mais de 5% deles tentaram, efetivamente, formalizar o negócio.


“Décadas de ausência do poder público permitiram que a informalidade predominasse nas favelas. E, por conta disso, ainda hoje, muitos comerciantes têm resistência à legalização do negócio”, ressalta Mario Borghini, diretor de Desenvolvimento Econômico Estratégico do IPP e coordenador do Empresa Bacana, projeto que desde 2010 sobe as favelas para informar e facilitar o processo de formalização.


Para Borghini, a desinformação é uma das principais causas para a resistência à legalização dos empreendimentos. “Existe muito preconceito com relação à formalização. Os comerciantes veem que ninguém na favela é legalizado, e não se legalizam também”, ressalta ele.


‘Todos que realizam atividades produtivas são empreendedores’, diz diretora do Sebrae
Carla Teixeira ressalta que, muitas vezes, os empreendedores não se identificam como tal. “A moça que vende empadas na rua não se considera uma empreendedora, mas ela é. Quando perguntamos, em palestras, quem é empreendedor, ninguém levanta a mão. Quando perguntamos: ‘Quem é empresário?’, algumas pessoas se manifestam. E quando, finalmente, perguntamos: ‘Quem se vira para gerar seu sustento?’, todos levantam a mão”, conta a diretora do Sebrae.


“Todos que realizam atividades produtivas, às vezes até empregam alguém, e geram receita ao final do dia, do mês, são empreendedores”, enfatiza Carla. Para se enquadrar dentro do programa Microempreendedor Individual (MEI), a renda bruta anual não pode passar de R$ 36 mil, e só é possível ter um empregado, além, claro do dono do negócio. “O MEI engloba várias atividades. As mais solicitadas são: salão de beleza, comércio de bebidas e alimentos, e de roupas”, ressalta a diretora do Sebrae. “E tem uma lei tramitando na Câmara Federal para aumentar a renda anual até R$ 48 mil”, complementa. Aqueles que conseguem uma renda anual maior devem se inscrever no Simples, que concede o alvará para quem ganha entre R$ 36 mil e R$ 2,4 milhões por ano.


Carla Teixeira explica que o imposto mensal para quem se inscreve no MEI varia entre R$ 27 e R$ 33, e já inclui o pagamento da previdência ao Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) – o que garante aposentadoria e auxílio-doença, ou auxílio-invalidez -, do Imposto Sobre Serviços (ISS) e do Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS). “Para ter um emprego, precisa de um diploma. Para você empreender, precisa de força de vontade. Empreender é ser pró-ativo, protagonista das próprias ações”, conclui Carla.


Fonte: G1 Economia

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